terça-feira, 30 de dezembro de 2014

HORA DO BANHO



Sentimentos não influenciam a minha dor.
E sinto que me enganar ta sendo meu principal hobby. Não favorito, mas principal. Pelo menos nestes últimos dias do ano... E que ano! Andar meio perdida, já não é mais hobby, mas estilo de vida. Talvez um poema que escrevi ontem fale melhor sobre isso. Hoje não estaria tão afim de dar explicações ou falar de minha confusão interior. Mas ela implora para que eu recorra ao papel.
Acordei querendo voltar pra cama, mas meu café da manhã foi preparado com muito carinho. O cheiro forte do pão na chapa... Com certeza tinha queijo ali...
Titubiei um pouco antes do banho. Olhei pra cama, ainda desforrada das noites anteriores, olhei para as minhas queridas e inseparáveis olheiras... (hoje estavam mais profundas que nunca) e segui pro chuveiro.
A música de fundo era entoada em voz baixinha, vinda da cozinha... Parecia alguma letra de Martinho da vila, ou de sua filha, não sei ao certo. Sei que segui pro banho.
Ando sentindo tanta coisa dentro de mim ultimamente...
Significados deveriam ser atribuídos a cada sentimento, se pudesse descrevê-los já ajudaria. Mas é um misto de incompreensão e admiração pelo que sinto, que não me deixam parar mais de dois minutos para tentar analisá-los.
Um aperto no peito, uma vontade desenfreada de sumir... Para onde?
Quando o espaço das paredes já não me suporta, e a cidade ficou pequena demais para meus sonhos (que nunca lembro depois que acordo).
Quando as comidas e os drinks já são previsíveis e as noites acabam sendo também, as transas acabam sendo também, as lembranças... também! Nada passa despercebido aos olhos, de igual forma, previsíveis.
Quando o amor está por toda parte, mas mesmo assim, eu ainda acho que toda a parte não está nesta parte da vida, e as metades e as vontades e as junções destas partes, andam espalhadas por aí. Uma brincadeira de caça aos tesouros me enche os olhos a cada instante. Mesmo sem mapa. Quero ir no faro, sem tempo para retrato. Instintivamente apontando, e eu mesma seguindo, me perdendo, a ponto de me encontrar em algum canto deste planeta. Deste quintal. Deste meu coração...
A água fria me fazia lembrar com mais nitidez do que queria entender, e por alguns minutos deixei de existir, a água me percorria e ia me recriando, moldando, acalmando e incentivando a voltar... Minha fuga de mim mesma tinha que acabar, e era a água que me implorava isso naquele momento.
A música parou e comecei a ouvir o barulho dos talheres, o movimento tranqüilo de um ser que eu amo, passando pelo corredor, escolhendo os pratos, talvez forrando a mesa neste exato momento de silencio...
Hora do sabonete!
Ser exatamente a responsável pelo meu banho, pelo meu quarto e pelo destino de minha vida me assusta ao mesmo tempo que me enche de esperança. Se eu parar exatamente agora, não é ninguém que vai me enxugar, me arrumar, me viajar, me despedir, me empregar, me caminhar, me dirigir, me acalmar. Se eu desistir exatamente agora, não é ninguém que vai me convencer, me iludir, me digerir, me sucumbir, me deprimir, me pôr um fim. Eu faço isso só.
Ser a única responsável por determinadas situações de minha vida, assim como um banho ou como um rumo, é algo que decisivamente, me assusta. Mas é a única fonte de apoio e consolo que tenho no meio deste turbilhão que ando sentindo.
Sentar ás vezes me agonia, dormir ás vezes me cansa e o passo apressado pede uma direção, mas as setas se cruzam, confundem ao mesmo tempo em que apontam e orientam.
O que fazer dos meus dias? De meus banhos cada vez mais artificiais? De meu contato cada vez menor com o que tenho de mais natural possível?
Tenho medo de me enxugar, a toalha fica do lado do espelho, e costumo encontrar nele mais dúvidas, menos sentido...
Me impressiono com a facilidade que o mundo tem de saber o que faz. Queria eu ser o destino e estar sempre certa, saber que rumo dar ás coisas. Ter paciência para atravessar as tempestades, aguardar com fé a calmaria e senti-la sem se preocupar com a próxima tormenta. “Saber o que faz” nunca foi coisa pra mim. Sou mais de saber o que não to afim, o que me irrita, o que me incomoda. E este banho já deu o que tinha que dar!