quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Muito menos parar

Ela Não tinha muita coisa que a fizesse ser notada assim facilmente...
Traçava os longos cabelos loiros e saia sempre no mesmo horário! 8 e quinze.
Era engraçado o fato de nunca ter namorado, por vezes virava tema de piadas, ou mentiras absurdas contadas em mesas de bares. Pois os bares com certeza eram os focos de resistência cultural e política daquela cidade, de lá saiam as mais incríveis lendas, eram feitos os maiores debates, articulações e ainda reunia todo sábado as mais gostosas mulheres da redondeza... Ela aparecia sábado sim sábado não e preferia ser chamada de ‘galega’, seu nome era estranho.
Demorei a conseguir conversar com ela, a galega costumava beber muito, sambar pouco e voltar por ultimo para casa, já eu... nunca soube começar uma conversa, (puxar assunto), muito menos dizer o quanto me agradam certas coisas femininas... Os rapazes costumavam olhar mais para Carol, a negra da rua 27, realmente tinha a bunda e as pernas mais gostosas do mundo, mas Galega com aquela calma toda me causava maior curiosidade, mais vontade de ver como seria na cama.
A encontrei 3 sábados e nunca falei nada, eu era nova por ali e ainda me sentia uma intrusa em algumas discussões. Mas por força do destino ou da minha falta de responsabilidade pude a encontrar na feira livre, onde estava passeando exatamente na mesma hora que deveria estar trabalhando. Ela vinha com um menino de uns 8, 9 anos do lado que carregava seu carrinho repleto de frutas e verduras.
Ela me viu e para minha alegria veio ao meu encontro. Ouvi sua voz!
- Oi.
-É...oi! (...) tudo bem Galega?
-Tudo sim.
(era uma voz gostosa, combinava talvez com um daqueles filmes, onde costumavam botar umas latinas bem sensuais no palco cantando e conversando com a platéia sabe?)
-Quer dizer...Não consegui ainda achar a banana! - Continuou ela agora desviando o olhar dos meus olhos o passando ao meu redor, pelas bancas mais próximas.
-Ah, eu acho que a Dona Leila deve ter. Você já foi lá?
-Leila? Não conheço...
-Eu posso te levar lá.
E fomos... eu, ela e André (era este o nome do pequeno carregador de compras), naquele percurso eu consegui descobrir muito do que queria. Ela era de Escorpião, ascendente em Sagitário, tinha 21 anos e estava solteira. Cursava arquitetura e pareceu bem interessada ao me ouvir falar dos artigos que eu escrevia para o jornal dalí. Ela foi para minha casa pela noite e conheci toda a cidade ao seu lado, em poucos dias.
Eu morava com minha sobrinha de 17 anos e meu cachorro (bob), Galega se chamava na verdade Claudiane, mas eu não achei estranho não...Verdade! Preferia o seu nome ao apelido... Enfim...seguindo ordens da mesma não a chamei pelo nome nenhuma só vez.
Ela passou a ir lá em casa e acabamos dormindo juntas certo sábado na volta do bar. Eu acordei tão feliz, mas tão feliz, que meu coração pareceu pipocar quando abri os olhos e a vi...encolhida e nua, coberta por um lençol branco e em minha frente. Passei a mão em seu rosto tirando uma mexa de cabelo e levantei para fazer xixi.
Não tenho sorte com estas coisas de relacionamentos e para variar passei pouco tempo com ela, terminamos e decidi descontar toda minha raiva e tristeza no mesmo e maldito bar que nos juntou. Pedi para começo de conversa uma dose dupla de pitu e virei de uma só vez, o que me fez tossir um pouco. Repeti isso com cada uma das garrafas que ficavam expostas, eram cerca de 10, mas não confie em nada, não lembro!
Comprei já perto de meia noite cinco latinhas de Brahma e fui para casa de taxi, Kelly, minha sobrinha estava na internet para variar e fiquei só na sala de jantar, não vomitei nada e tudo aquilo voltou-se contra mim assim que acordei. Parecia que ia morrer exatamente ali, só em minha própria sala!(é, dormi na sala!)
Galega tinha conseguido me prender de um jeito absurdo! Eu já sentia o quanto ia sentir ao me separar dela assim, depois de tantas semanas juntas.
Depois que começamos a namorar ela sambava mais lá no bar, dizia que era pra mim, eu vira volta me levantava, aceitava o convite e sambávamos juntas por horas, fazendo Pedro e Fábio quase morrerem de inveja. Eu havia dito a eles que ainda ficaria com ela, mas os dois afirmavam que Galega não se envolveria jamais com outra mulher, era muito quieta e jamais havia tido nenhum namorado, ou namorada.
Fato...ela jamais namorou e fui sua primeira experiência sexual, amorosa e de compromisso.
Terminamos porque eu pedi, eu pedi mas não queria que ela concordasse, era algo assim, sem sentido...mas ela aceitou tranquilamente e depois de morder minha orelha esquerda passando a língua dentro dela, virou –se e foi embora sem dar tchau.
Hoje passaram-se quatro anos e acabei de votar nulo para presidente, nem lembrava mais desta história, mas é que as vezes paro assim aqui no quintal de camisola e fico tentando lembrar algo para escrever...fantasiei um pouco ao dizer tudo isso mas ás vezes gosto de fazer estas coisas parecerem mais sofridas que o normal.
-Você promete ficar comigo pra sempre?
-Prometo Galega!
-Mas você promete que nunca vai me esquecer se um dia me deixar?
-Prometo também...
-E...e você promete que está gostando de mim?
Dei uma risada curta, a encarei um pouco e lembro como se fosse ontem que ela deixou cair uma lágrima em meu ombro, dizendo repetidas vezes que me amava dias antes de ir para São Paulo com nosso término. Galega estava me convencendo que vinho branco também é bom (principalmente se for seco), que os signos das pessoas não dizem muito delas e que dá para se fazer muita coisa com um potinho de Nutela.
Eu cansei de contar histórias de minhas mulheres, minha vida. De lembrar e colocar no papel coisas tão sentidas para que se transformem em passa-tempo de desocupados, curiosos ou loucos. Decididamente queria que ao invés de ler e passar para o próximo conto em questão de minutos, você se colocasse aqui comigo, vou pegar mais uma cerveja, já ta gelada...mas que você e quem quer que venha a ler mereça cada palavra!
Quer um copo?
...Galega preferia violão a pandeiro e eu nunca aprendi a tocar nenhum dos dois.

terça-feira, 13 de outubro de 2009


Mas seu nome era igual ao seu primeiro olhar, simples e ao mesmo tempo penetrante. Eu sempre preferi chamá-la pelo apelido (que eu mesma dei) mas a promessa era que se um dia a gente se casasse, eu a chamaria pelo nome que ela quisesse.
Para entendê-la fui sozinha á praia em um dia de quarta feira e desde então faço isso quinzenalmente, como uma espécie de trabalho espiritual. Endireitar-me olhos nos olhos com o mar, sentada e bem junto a ele, eu busco muitas respostas que só eu posso me dar, mas não assim na correria do dia a dia... Ando sentimentalmente abalada e o único agito que agüento é o do mar, ele se mantém belo mesmo se destruindo a cada segundo naquelas ondas, hoje muito fortes, sendo assim, o admiro.
Era uma boca despedaçada em mil PECADOS, mas todos agarrados e incrustados ali em minha frente, quase colada em mim, e eu a afastando mais no pensamento do que na minha cama desforrada. Era um olhar que não simplesmente me prendia, nem simplesmente fazia qualquer coisa, era um olhar completo, enxuto de simplicidade ou carente de definições e ele era o grande culpado por eu ainda estar ali.
Acabara de bater o sino da igrejinha que ficava duas ruas atrás de meu apartamento, se não me engano...meia noite era quando ele balançava assim ligeiro..enfim, anunciaram algum horário e eu decidi tomar um banho pois a qualquer momento Mônica chegava e finalmente havíamos casado. Nossa festa não foi como sonhávamos, mas conseguimos reunir parentes e amigos mais próximos. Não teve vestido branco, ela preferia vermelho então optamos por roupas comuns.
Ela demorou mais umas três horas e eu acabei cochilando no sofá do quartinho da TV...
- Bia? Acorda amor...
Eu a escutei, mas fingi que nada acontecia, cocei o olho e me virei de costas bocejando...
-Bia, cheguei! Levanta e vamos tomar um café! ... Bia...
Que saudades de sua voz, de sua ânsia por café, que vontade louca de agarrá-la e beijar seu pescoço,sentir seu perfume, seu cabelo cumprido...
Fiquei imóvel.
Ela ao invés de tentar mais uma vez desistiu muito fácil e foi colocar a água para ferver...acompanhei cada passo, a porta do armário abrindo, a panela caindo e em seguida sendo cheia de água...ela não sabia onde estavam os fósforos! Ia ter que me acordar! Eu os levei para o quarto, fumei mais cedo. Caprichei na cara de quem dorme profundamente e dito e certo...

-Bia...meu bem, acorde! (...) Bia! (...) Se você não acordar exatamente agora...( Foi aí que ela sentou em cima de mim abrindo as pernas e me encaixando ali em baixo como uma galinha ao aninhar-se para chocar os ovos) ...se você decididamente não acordar mesmo... eu vou ter que fazer algo em relação a isso.
Eu não resisti e soltei uma risada sem querer, fazendo com que eu perdesse todo respeito de uma pessoa adormecida. Mônica se levantou e me puxou do sofá direto para o chuveiro, onde me empurrou de roupa e tudo. As duas estavam rindo muito a esta hora e acabou que deixamos o café para depois... Ela cuidou de tirar minha roupa e eu a dela, cuidando também de não perdermos nossos olhares, que estavam ali, atentos, fortes, intensos...
Ela e eu já sabíamos que nossos mundos estavam bem distantes, bem complexos e até confusos... que nas voltas, nas idas e vindas que o mundo e a vida dão, a gente por vezes fica caminhando meio que descompassado... Mas um samba e uma existência precisam de tempos e marcações que vamos aprendendo ao sambar, quero dizer...ao caminhar. Ela e eu nos amamos e isso ninguém poderia tirar, exceto nós mesmas.
Ela e eu aprendemos a buscar nosso espaço ali, no olhar recíproco, na sinceridade de estar juntas e entender apenas isso! Este momento, este tempo, esta verdade.
Eu preparei o café e como estávamos felizes dei logo o presente que havia comprado na sexta...
-Puta merda! Você comprou!(...) Brigada Bia!
-E aí? Gostou?

Ela ainda olhava
o livro, leu a dedicatória e sorrindo balançou a cabeça positivamente,falando finalmente...

-Eu queria muito ler este livro, pensei até em comprar na viagem, mas não o achei...brigada mesmo amor.
-De nada... mas me diz...como foi lá?
-Ah... perfeito né? Eu conheci tanta gente, apresentei meu trabalho já no primeiro dia de congresso e depois fiquei de turista mesmo. Tinha uma menina lá que mora em Minas Gerais, grudei nela e nos amigos e acabamos que conhecemos muita coisa juntos. A dormida não era boa sabe? A comida pior... mas preferimos comer por lá mesmo pois não gastaríamos o dinheiro da cerveja com almoços fora.
- Você gostou mais de que lá?
-Do caminho entre uma coisa e outra... os momentos que ninguém falava nada, e eu só via a cidade correndo pela janela do carro, pela minha frente, queria imitar a cidade...correr.
Levei certo tempo até parar de tentar perceber, de tentar notar coisas tão estampadas em minha cara...comecei (tem exatamente um dia hoje) a identificar maravilhas cotidianas ao invés de estar sempre buscando algo maior, algo paradisíaco... nós não devemos nada a ninguém, apenas sinceridade e um sentimento verdadeiro uma a outra. Aprendi em tardes sem sol que a gente morre e nasce a cada dia, não tem para que ter medo de começos, finais...eles estão sempre acontecendo,por vezes em conjunto! (...) Dormimos então o depois de tomar o bendito café e acordamos juntas ainda por muitos meses. Dividimos muitas conversas, frustrações, alegrias e as noites mais boemias de minha juventude. Hoje estou fora do Brasil, para fazer mestrado e cada vez que lembro dela vem aquele cheiro, aquela profunda insistência cotidiana de seu olhar. De nosso olhar.
Eu sabia que viria, já estava tudo programado para vir depois da faculdade, sim, eu sabia que nada deveria me prender naquela cidadezinha, não podia... Mas o que quero dizer, o que mais quero e preciso dizer aqui são duas coisas. A primeira, vou carregar ela comigo aonde quer que eu vá. A segunda (mais secreta e verdadeira) é que sentimentos são andorinhas SOLTAS e existem verões e invernos loucos, não dá pra controlar

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A revoluçã dos inválidos

Não existe fortuna ou ações na bolsa
Que me valham o prazer de escutar
Os doces acordes do bandolim
E o contrabaixo do violão
Este colosso que sustenta tudo
Numa seresta que ressoa
Ao toque do pandeiro como relógio
O relógio sincopado dos boêmios

E as vibrações doces do cantar
Do velho encanador
Cantando os sonhos da boemia
O pandeiro do velho da janela
O canto dos teus velhos seresteiros

O doce som do samba canção
O choro do cavaco inclemente
Sentado em uma mesa que eu mesmo fiz
Bebendo a cachaça doce de Minas
No bar em meio a meus camaradas
O quartel general dos boêmios
Amigos de coração
Camaradas de greves e combate
Hoje a greve é greve da arte

Dali sairá a nossa revolução
Tremam de medo, poderosos!
Faremos desta cidade o Soviete de Munique
O quartel virará um teatro
O cartório um botequim
Os carros cederão lugar
Às bicicletas e aos trilhos
E as ruas do centro se tornarão um grande boulevard

Renascerão as pedras do calçamento
Do meio do asfalto rachado
A Igreja virará um belo museu
E as novas Igrejas….
Fugirão seus pastores,
E seus salões virarão verdadeiras Assembléias!

Nossa Comuna governará
Todas as manhãs seu comitê central
Recitará poesias em um palanque
E a música, será o princípio de nossa constituição

Ao invés de especialistas
Nomearemos amadores
As faculdades ensinarão coisas inúteis
Os muros serão derrubados, as cercas arrancadas
As paredes virarão murais
Títulos serão apenas nome de livros
Os homens comuns farão o incomum
Numa terra posta em comum!

Os seresteiros anônimos
Serão coroados heróis
As ruas terão nome de sambas
E vossos vereadores, estas velhas dores
Cairão no esquecimento
A estátua do velho coronel
Será um cagatório de pombos!

Pobre prefeitura
Eles não querem mais tocar para vocês
Seus burrocratas ficarão desempregados
O canal de TV irá à falência
As pessoas vão passar a noite nas ruas conversando

Os moto-boys vão aposentar suas motos
Virarão todos artistas
Farão arte nos restaurantes cheios de gente
O carnaval haverá de tomar as ruas
E o sambódromo ficará vazio

Os office-boys virarão sambistas
Os burocratas sindicais vão catar papel
Ou farão promoção pessoal
Ao cargo de palhaços
Do circo que abriremos
Onde um dia foi o palácio do governo
Com realejos tocando
E peças do Plínio Marcos encenando

As escolas não serão mais presídios
Suas grades serão arrancadas
A grade curricular será abolida

A nossa comuna há de reinar
Haverá esquetes de teatro
Sob cada uma de suas câmeras
E a câmara, aquele velho túmulo
Para ela será transferido o cemitério
E seus ilustres mandatários
Contemplados com cargos de coveiros

Tuas fábricas serão automatizadas
Teus gestores não gerirão mais nada
Limparemos o rio para nele pescar!
Teremos bailes e serestas todos os dias
Precisaremos inventar ocupações
Tempo que não será mais gasto
Mas ganho, de graça
Tempo para viver e amar

Os orgasmos simples serão abolidos
Pois serão desnecessários
Estraga-prazeres
A vida será o gozo contínuo

Teus Partidos serão partidos em mil partes
Não queremos mais a parte, queremos o todo
A vida será gratuita
Tuas catracas serão peça de museu
Teus vales irão para o picador de papel
Teus números serão deletados
De tua riqueza, ficará a miséria
E a miséria que a alimentava, virará fartura!
Nossa moeda serão as canções
Entre numa loja e pague com um poema

Os relógios terão trinta horas
As noites serão mais longas
Para boemia, poder amar e sonhar
As semanas terão cinco dias inúteis
E apenas dois dias úteis

Teu capital será um capítulo passado
Teus capitães serão bustos enferrujados
Teu Estado, sofrerá uma mudança de estado
Do sólido para o gasoso
Mercadoria sem valor
Dinheiro que não vale nada
A festa dos desvalidos
O teatro dos Inválidos

Nossa comuna haverá de reinar
A poesia que há de se efetivar
A arte que há de se extinguir
Pois a vida irá se estetizar
A filosofia irá se realizar
A revolução que haverá de sair
Das paredes deste humilde bar
Das paredes deste sublime bar
(OTTO JOÃO LEITE)