quarta-feira, 13 de março de 2013

A preguiça de Rosa

Rosa andava tão cansada, acostumada com isso de sono, preguiça, e todas as coisas que aproximassem ela do sofá... Afastando coisas como faculdade, rua, inglês e a correria do dia-a-dia. Assim, ia se acostumando com os pés descalços, a roupa largada, o cabelo preso. Assim também, ela ia me acostumando com a saudade.

Ela tem esta mania de encantar pessoas com seu jeito. Precisava apenas existir, sorrir, passar por aí com seu cabelo e preguiça, que já causava reboliço. Aí depois sumia dentro de um livro qualquer, (ou num seriado da tv)... E cada vez que aparecia de novo, em um e-mail, telefonema, ou na praia, sempre estava mais bonita!

O cansaço de Rosa dava a impressão de que “sim, tinha muita energia”, mas com algumas coisas realmente não valia a pena gastá-la. Usá-la com coisas tão repetidas não era nada atraente para ela. E demonstrava então este cansaço de viver, o dia-a-dia, o igual... Ultimamente tinha a preguiça assim, como um bichinho de estimação, querido, que precisava de seu carinho, carregando ela pra muitos lugares.

Certa tarde, Rosa chegou em minha casa com a sua preguiça, estava grande! (devia estar cuidando bem dela...) e então se deitaram em minha cama, as duas, barriga para cima, sorriso sempre no rosto. Elas me chamaram e como de costume, fui. Percorremos com palavras os lugares que nunca imaginei ir, usamos e abusamos da criatividade, imaginação, e as horas iam passando por nós três sem que percebêssemos. Na verdade nem lembrávamos delas...

Algo precisou acontecer para que a gente entendesse que já anoitecia. As risadas e as conversa sobre o mundo, as coisas, as pessoas e os sentimentos foram interrompidas por um bater na porta da sala, forte, que me fez saltar da cama. Não esperávamos ninguém. Nos entreolhamos e fui então ver quem era. A preguiça de Rosa não deixou ela levantar e ficaram as duas lá me esperando trazer notícias.

- Boa noite Rita.

Era meu vizinho do 302, parecia irritado. Respondi tentando mostrar que estava ocupada, mas ele não deve ter notado, e continuou...

- Rita, a gente precisa conversar. Já são 22h, estou com criança em casa, não sei se você viu, mas minha esposa voltou ONTEM da maternidade, e seu som, sua festa... olhe Rita, não queria chegar a este ponto sabe? Nunca tive problemas com vizinhos, e ...

- Mas...

- Rita, continuou ele, - Só queria pedir primeiramente com delicadeza, mas espero não precisar voltar aqui... Passar bem!

E se foi, entrou em casa, me deixando parada na porta, em estado de choque... Que festa ele estava falando? Fiquei sozinha em casa o dia todo, a Rosa chegou com a preguiça só de tarde e nós três não saímos da cama até agora... Voltei pro quarto, (a Rosa me chamava repetidas vezes, ainda deitada). Notei que o som realmente estava ligado, abaixei o volume, estava no 70, isso me fez notar que realmente estava alto, falei com Rosa do ocorrido, e ela rindo me puxou pra cama, dizendo que prometia falar baixo, foi aí que notei que, também, realmente ríamos e conversávamos muito alto.

Deu 23h e a preguiça começava a demonstrar sono, desliguei o som para não atrapalhar nem ela, nem o bebê do vizinho. Rosa tentava colocar a preguiça para dormir, ficamos então conversando baixo, rindo baixo, trocando todos os nossos olhares e carinhos.

A preguiça dormiu!

Levei-a com cuidado pra sala, voltei, trancando a porta do quarto, e Rosa já estava de pé, veio correndo me abraçar, aquele abraço forte, demorado e quente... Foi então que voltamos para a cama... Desta vez sem preguiça, e enquanto ela dormia, nós nos devorávamos pela madrugada.






Angélica

Ainda frio, ainda só...

E assim terminava mais um dia, como já terminaram tantos outros em sua vida. Hoje pelo menos, sentia algo novo e diferente... Sentia saudade.

Saudade, talvez fosse a palavra menos conhecida por Angélica, que sempre insistiu em afirmar para todos e para si mesma que a vida se faz só, se faz livre e se faz segundo a própria vontade, e sempre na novidade, nada mais.

Hoje, no entanto, já fazia horas que ela estava ali no sofá da sala, pensativa, quieta. Quieta era a segunda palavra menos conhecida por Angélica.
Mas nada permanece igual, assim, para sempre...

Ainda tentei me aproximar dela depois da maldita /bendita primavera, mas foram tentativas falhas, a sua alegria, o seu bom humor e a nossa semelhança na paixão pelo álcool pareceu sumir, junto com as flores que derreteram no verão daquela cidade pequena.
Acontece que Angélica nunca havia se apaixonado de verdade...

A conheço desde o jardim de infância! E entre idas e vindas das nossas vidas, nos reencontramos na faculdade, fazendo cursos diferentes, mas atuando no mesmo grupo do Diretório Central dos Estudantes-DCE, onde lutamos contra tudo que podíamos, inclusive contra a sociedade capitalista, nos pintamos, ocupamos reitoria e viajamos pelo Brasil afora.

Angélica, talvez pelo signo e orixá, sempre foi bastante entregue para a vida e para as surpresas que aparecem. Gostava muito de comprar passagens só de ida para os lugares e fumar todos os cigarros e possibilidades possíveis.
Tinha o cabelo longo com seu olhar e a boca semelhante a um imã para homens e mulheres. Mesmo assim nunca se apaixonou. O que é muito diferente de nunca ter tido relações profundas com as pessoas.

Hoje ela não quis sair comigo, nem com o Jorge, nem com o Marcelo, nem com a Aniele da rua de trás. Hoje Angélica preferiu sofrer, e este verbo realmente não era conjugado no vocabulário dela, não passava nem por perto.
Mas hoje ele foi eleito como verbo novo, necessário e bem vindo, na conjugação do presente.

Sendo assim, decidi dar um tempo para que Angélica, que sempre conheceu tantos lugares e pessoas novas, pudesse conhecer agora palavras, conjugar verbos, decifrar sílabas... No tempo dela... Mas parece que por vezes me pego querendo ajuda-la, levar para ela uma gramática atualizada, um dicionário que comprei em Cuba, uma cerveja daquelas que a gente adora.
E não posso.
Não preciso nem dizer que Angélica se apaixonou né?
Sim, ela desta vez se apaixonou, e por ironia do destino, não foi correspondida. Tratava-se de uma mulher mais velha, séria e de Touro, com ascendente em Peixes, um amor de pessoa, pronta para casar e morrer de ciúmes de Angélica, mas exatamente por ser ao contrário do já previsto, surgiu como vento, bagunçou as ideias e o coração de minha amiga, levantou seu vestido de certezas, espalhou as cinzas de cigarros variados pela sala limpa e se foi.

Angélica em quatro meses se entregou como nunca havia se entregado, amou como nunca havia amado e ficou.
Ficou na mesma sala, no mesmo sofá, mas não mais com as mesmas certezas, e sentiu saudade.
Ficou quieta e sofreu.
Não vai ser nada eterno, pois assim como ela dói, ela passa. A dor, a saudade e o amor não correspondido, passam. Tudo passa e queria dizer isso a Angélica. Mas no mínimo ela vai me mandar tomar no cu e dizer que não sei de porra nenhuma.

Então só me resta esperar. Mas sei que não existe nem dor, nem amor eterno.

Acontece que acabar com uma dor que julgamos ser eterna dói, acabar com um amor que julgamos ser eterno dói mais ainda e isso qualquer um de nós pode falar, qualquer um sabe, menos Angélica, e isso ela vai aprender duro e dolorosamente só, assim como ela gostava de levar a vida.