quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

eu te "conto"

Me devorava... atrás do joelho e entre as pernas, sua boca se multiplicava ao longo de meu corpo e eu a sentia como se fosse milhares em mim. Me tapava firme a boca para que ninguém pudesse escutar aqueles gemidos incessantes.

Enquanto isso, eu jurava baixinho, quase em pensamento, fazer de tudo para ela nunca querer sair de minha vida. Olhei atentamente os seus movimentos fluidos e ligeiros, banhados de suor, e jurei mais baixinho ainda nunca mais sair da vida dela. E numa espécie de transe, nossos corpos dançaram pela noite... Toda, e cansados, se acolheram um ao outro, assim como nós duas fizemos com nossos corações e sonhos.

Naquela madrugada eu jurei tanta coisa, assim, pra dentro, sabe? Pra minha alma. Perplexa e feliz, extremamente satisfeita de ter aquela mulher tão perto de mim, tão dentro de mim.

É, ela entrou com tudo, trazendo seus olhares mais complexos e mais simples também. Seus peitos, sonhos, medos, sorrisos e histórias sem fim, um universo completamente novo, que me causa constantes rebuliços.

Naquela madrugada agradeci muita coisa também, assim... Pra dentro, pra fora, mas bem baixinho, para ela não acordar. Poder admirar ela dormir foi um dos agradecimentos que fiz sorrindo. Não ousaria mover um fio do cabelo dela, a posição que ela estava, aquela respiração forte, estava tudo poético demais. Corpo inteiro, nu, vivo e repleto de forças e fraquezas, menina de terra firme, mas terra em chamas, alimentadas por ventos de diversas direções.

Amanhecer e anoitecer ao lado dela virou melodia bonita para mim, e quero poupar meus esforços de tentar entender qualquer coisa...

Sexta feira... O branco tomou conta de nosso corpo, o preto, de nossas xícaras, e aqueles sorrisos... tomaram conta de nossas bocas. Apressadas, fizemos tudo conforme relembramos na noite passada, pegar encomendas na geladeira, não se esquecer do remédio, arrumar a bagunça da cama. Entre pratos, pentes, mochilas, a gente se batia, se olhava. Ela roubava... Beijos e minha atenção, recitando uma poesia em meu ouvido.

O trânsito irritou um pouco a gente naquela dia, a rádio não pegava uma só música que merecia nossa atenção. Contei de meu sonho, ela de uns filmes, temos que ir ao cinema! Gosto muito do jeito que ela fala o que “temos” que fazer, a obrigação de sermos felizes e nos dedicar a coisas simples, que nos dão prazer. Gosto do jeito que ela pensa, e me vejo em muita coisa que ela imagina, outras não... Decididamente, gosto dela! Gosto de ficar assim, boba, olhando qualquer coisa que ela faz.

Me passei no horário e atrasei muito serviço, correr atrás do tempo perdido... Ou tempo que ganhei, estando longe daquela sala fria em que trabalho. Compreendendo como um ato revolucionário, isso de faltar para ir a praia, por exemplo. Cantei Chico no carro e ela feito cachorro pegava o vento na janela, de olho fechado, assim compenetrada em algum tipo de viagem na imaginação. Vaguei no pensamento e me encontrei exatamente do lado dela. Dizem que podemos fazer isso em sonhos também... Encontrar pessoas e aquilo ser realmente um encontro, não apenas sonho. Combinamos de transarmos se nos encontrarmos um dia e falar uma frase que não definimos ainda. Tenho que pensar em algo romântico...

Passamos por uma pequena venda onde uma senhora de uns 70 anos arrumava com cuidado as frutas em pequenas médias e grandes vasilhas e compramos algumas. Coisa pouca, que nosso dinheiro desse conta, mas que pudesse variar durante a viagem. É decidimos viajar naquela manhã.

Pensei em que calcinha ela estaria usando por baixo daquele vestido de borboletas que balançava enquanto ela freneticamente catava as mangas que acabou de derrubar. A senhorinha sorriu para mim e perguntou se éramos irmãs.

- Não, é minha namorada.

- Vocês são namoradas?

Balancei positivamente a cabeça e ela olhou novamente para Janaína no chão, catando a última fruta.

- Belo casal... queria ter tido coragem para viver minha história de amor.

Janaína olhou para mim e sem trocarmos uma só palavra, sentamos ao lado da senhora, que se chamava Lourdes, e que contou com muito pesar os seus sofrimentos na mocidade por ter amado outra mulher e guardado isso só para ela... Por toda a vida.

- O medo engessa a gente, meninas. Sejam felizes viu?

Ouvir daqueles lábios enrugados, tantos motivos pra a terem feito “engessar” foi pesado. O preconceito da época, e que ainda sinto hoje em dia, amedronta... A paixão de Dona Lourdes foi vencida pelo medo, mas ficamos emocionadas ao saber que a tal paixão ainda está viva e a encorajamos de ir procurar Maria.

A viagem então começou com um silencio entre Janaína e eu, e por um bom tempo ficamos caladas, mas nosso silêncio me deixa tão à vontade quanto nossas bagunças, e á vontade, é que fui relembrando que já havíamos falado daquilo outro dia, da coragem, da ousadia e de ser quem somos, sem medos. Acabamos com esta conversa bem abraçadas, como se nosso porto seguro fosse exatamente ali, grudadas uma na outra, em qualquer parte do mundo. Janaína parecia ter mais coragem que eu para certas coisas, mas coragem é algo tão relativo, e por mais que eu não acredite muito nisso de signos, a gente se balanceia bacana entre terra fogo ar e água.

Mexi nos cabelos cor de cobre dela, ganhei um sorriso bonito, e jaca. Ela me alimentava com muito prazer e sentia alegria em me ver comendo, mastigando algo, ficando forte. Eu gostava de tudo que ela fazia, do jeito que mexia as panelas, ritmada, concentrada. Nossa. A encomenda! Parei o carro depressa, tarde demais. O doce se derretia no banco de trás, entre gargalhadas e olhares malinos, acabamos por nos derreter com o doce também. Adocicadas, comestíveis. Eu fiz questão de tirar toda a roupa, minha e dela, depois a comi todinha, suculenta, com carne bronzeada e trêmula de prazer. Seus “ais” aumentavam meu desejo e nos fudemos gostoso no banco apertado.

Passamos por tantas estradas, assuntos, ventos, e também chuva até chegarmos finalmente em Pernambuco. Não sabíamos ao certo para onde iríamos de ali em diante, mas estávamos lá!

- Praia, Luiza! Lá pensaremos melhor o que fazer.

- Praia na chuva?

- Bom que vai ser exclusiva para nós duas!

Como era de se imaginar, a obedeci, e dentro do mar vimos as ondas receberem os ventos e as águas de cima, me senti pequenina com tanta natureza por fora, com tanta imensidão ao redor. Janaína me encarou forte e dela também começou a sair água... Salgada. Seu choro se misturou com chuva e ondas, e ela se misturou em mim, num abraço que mudaria nossas vidas.

Não engessar! Lembrei forte da senhorinha das frutas hoje. Completamos 5 anos aqui em Pernambuco e coincidentemente ou não, estou indo participar de um encontro de mulheres lésbicas, na mesma praia do abraço forte, onde decidimos que iríamos morar aqui. A idéia deste encontro é não nos calarmos, não engessarmos pelo medo, e para isso, não cabe apenas mudar nossas mentes, mas mudar este mundo.

O trabalho parece árduo, a sensação é de pequenez, como a minha no oceano com chuva há cinco anos atrás, mas a pequenez tem seu valor e seu grito, e pode dar rumos novos... Como tamborim no meio do carnaval. Ele grita. E quanto mais tamborins, maior o barulho. Barulho invoca mudanças e energias.

- Alô? Janaína, rola de passar aqui na praia depois do ensaio?

- Tava pensando nisso, quero participar mais deste movimento aí. Mas a estréia do espetáculo é amanhã, estamos hiper concentrados aqui.

- Tá nervosa?

- Estou feliz... Sabia que hoje fazem cinco anos?

- Sabia... Estava inclusive pensando nisso, queria tomar banho de mar com você pra comemorar, mas temos muitos milhões de dias para isso, bom ensaio. Amanhã estarei na primeira fileira do teatro. Vai lotar!

- Pronto, agora fiquei nervosa! Vou nessa.

Soltou uma risada alta e desligou. A risada dela tinha um quê de vandalismo, um vandalismo poético, já ouviu falar? Depois posso contar. Ela vandalizava, e meu coração vagabundo ia acompanhando tudo isso. Começou o evento e foi muito emocionante a quantidade de mulheres, de toda parte, com todo tipo de história, com todas as forças e medos guardados, agora colocados para fora. Já pela noite, Janaína chegou apressada, mochila nas costas e aquele turbante... Me procurou no meio das pessoas sentadas e eu filmava ela, que fazia um tipo de raio x na areia, me catando, farejando sabe? Encontramos o olhar e ela abriu um sorriso largo e enxugando o suor, correu ate mim e me entregou uma poesia na agenda dela.

“Fresquinha, fiz pra você mais cedo”

Por fim, nesta noite escrevo enquanto ela dorme. Amo olhar ela dormindo. E nada mais me dá medo, olhar para ela me acalma, estar com ela me faz bem. O mundo que queremos e sonhamos não é algo tão distante, começa exatamente num simples abraço ou em cada atitude que temos. Pensamentos correm soltos, ladeira abaixo. Mas vou deitar, amanhã é um grande dia, ela e eu estamos ligadas e não sei explicar muito bem o que passa em minha cabeça neste momento. Quero estar na primeira fileira, verdade! Quero que quando as luzes se acenderem forte no final, eu possa aplaudir ela de pé, usando aquele batom que passei nela um dia, vestindo aquela saia que ela me deu um dia, e carregando todo o amor que tenho, que alimento, que sustento...Com alegria.