segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Ana

“Mastiguei, tentando saborear lentamente... Pausei - fechei os olhos - continuei... Degustei cada segundo que estivemos ali. Sua presença negra aguçou meus sentidos, cravando em meu corpo um desejo antigo...

A época do ano era de festas... Não lembro se de natal ou páscoa. Algo ligado a Jesus, morte, vida... Não lembro mesmo, mas lembro de que ela iria visitar a família que morava distante, então corremos pra nos ver, demos um jeito na chuva forte da cidade. Fizemos ela parar para podermos ir á praia, assim... só pra sentir a brisa da noite. Afinal, o sol não era muito o forte de Ana.

Corremos para nos ver, e além de darmos um jeito na chuva demos um jeito também no tempo, ele teve de aparecer em nossas vidas corridas, e quando apareceu, fizemos ele passar bem devagar e ser só nosso! Marcamos na lanchonete da Neide, sempre íamos lá tomar sorvete de açaí, conversamos um pouco sobre a vida das borboletas e ela me levou no mar para vermos a lua cheia. Achei meio deserto, mas com ela eu me sentia segura. “tire a blusa!” falou, como sempre, cheia de certeza e eu... Sorri, como sempre, cheia de dúvidas. Então sua boca me esquentou o peito, quem sou eu para não obedecer aos seus pedidos tão certeiros?

Fazia tempo que não me sentia daquele jeito, acolhida num mundo tão desconhecido, então fui sorrindo com menos dúvidas e levei ela pra casa.

Nos mastigamos.

Quando amanheceu, despertei num susto e ela não estava mais lá, ainda procurei no banheiro, na cozinha, olhei a garagem... Sua moto não estava. Deu trabalho aceitar, aí fui tomar banho.

Liguei ainda umas três vezes pra Ana, queria saber como pôde ter saído tão cedo e sem se despedir de mim. Mas ela só me atendeu na última tentativa, já era noite e ela falava meigo, falava calmo. Em contraste com minha pressa e tumulto de palavras soltas, ela pausadamente dizia que já era tarde e queria dormir, que a família dela estava toda reunida e que deixou um presente para mim embaixo da cama. Fui correndo abrir, com ela pendurada no meu ouvido. Agora ela cantarolava alguma coisa de Caetano, eu continuava falando palavras soltas, como “saudade”, “lua” e “fugir”, mas parei a desordem da fala quando desatei o laço vermelho, uma boneca delicada sorrindo pra mim, me acalmou. Ao abraça-la, ela tocou uma música tranquila. Desliguei o telefone, arremessando ele no cantinho da cama.
Fiquei calada o restinho da noite e adormeci com ela dentro da boneca, com vontade de mastigar mais um pouco. Na verdade, de digerir aquilo tudo que sentia...

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