Ainda frio, ainda só...
E assim terminava mais um dia, como já terminaram tantos outros em sua vida. Hoje pelo menos, sentia algo novo e diferente... Sentia saudade.
Saudade, talvez fosse a palavra menos conhecida por Angélica, que sempre insistiu em afirmar para todos e para si mesma que a vida se faz só, se faz livre e se faz segundo a própria vontade, e sempre na novidade, nada mais.
Hoje, no entanto, já fazia horas que ela estava ali no sofá da sala, pensativa, quieta. Quieta era a segunda palavra menos conhecida por Angélica.
Mas nada permanece igual, assim, para sempre...
Ainda tentei me aproximar dela depois da maldita /bendita primavera, mas foram tentativas falhas, a sua alegria, o seu bom humor e a nossa semelhança na paixão pelo álcool pareceu sumir, junto com as flores que derreteram no verão daquela cidade pequena.
Acontece que Angélica nunca havia se apaixonado de verdade...
A conheço desde o jardim de infância! E entre idas e vindas das nossas vidas, nos reencontramos na faculdade, fazendo cursos diferentes, mas atuando no mesmo grupo do Diretório Central dos Estudantes-DCE, onde lutamos contra tudo que podíamos, inclusive contra a sociedade capitalista, nos pintamos, ocupamos reitoria e viajamos pelo Brasil afora.
Angélica, talvez pelo signo e orixá, sempre foi bastante entregue para a vida e para as surpresas que aparecem. Gostava muito de comprar passagens só de ida para os lugares e fumar todos os cigarros e possibilidades possíveis.
Tinha o cabelo longo com seu olhar e a boca semelhante a um imã para homens e mulheres. Mesmo assim nunca se apaixonou. O que é muito diferente de nunca ter tido relações profundas com as pessoas.
Hoje ela não quis sair comigo, nem com o Jorge, nem com o Marcelo, nem com a Aniele da rua de trás. Hoje Angélica preferiu sofrer, e este verbo realmente não era conjugado no vocabulário dela, não passava nem por perto.
Mas hoje ele foi eleito como verbo novo, necessário e bem vindo, na conjugação do presente.
Sendo assim, decidi dar um tempo para que Angélica, que sempre conheceu tantos lugares e pessoas novas, pudesse conhecer agora palavras, conjugar verbos, decifrar sílabas... No tempo dela... Mas parece que por vezes me pego querendo ajuda-la, levar para ela uma gramática atualizada, um dicionário que comprei em Cuba, uma cerveja daquelas que a gente adora.
E não posso.
Não preciso nem dizer que Angélica se apaixonou né?
Sim, ela desta vez se apaixonou, e por ironia do destino, não foi correspondida. Tratava-se de uma mulher mais velha, séria e de Touro, com ascendente em Peixes, um amor de pessoa, pronta para casar e morrer de ciúmes de Angélica, mas exatamente por ser ao contrário do já previsto, surgiu como vento, bagunçou as ideias e o coração de minha amiga, levantou seu vestido de certezas, espalhou as cinzas de cigarros variados pela sala limpa e se foi.
Angélica em quatro meses se entregou como nunca havia se entregado, amou como nunca havia amado e ficou.
Ficou na mesma sala, no mesmo sofá, mas não mais com as mesmas certezas, e sentiu saudade.
Ficou quieta e sofreu.
Não vai ser nada eterno, pois assim como ela dói, ela passa. A dor, a saudade e o amor não correspondido, passam. Tudo passa e queria dizer isso a Angélica. Mas no mínimo ela vai me mandar tomar no cu e dizer que não sei de porra nenhuma.
Então só me resta esperar. Mas sei que não existe nem dor, nem amor eterno.
Acontece que acabar com uma dor que julgamos ser eterna dói, acabar com um amor que julgamos ser eterno dói mais ainda e isso qualquer um de nós pode falar, qualquer um sabe, menos Angélica, e isso ela vai aprender duro e dolorosamente só, assim como ela gostava de levar a vida.
"Angélica, que maldade,
ResponderExcluirVocê sempre me deu bolo,
Que maldade,
E até andava com a roupa,
Que maldade,
Cheirando a consultório médico,
Angélica."
aaaaah Angélica! rs
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