Não é nem sequer saudade
Não faz de conta que ta chorando,
Vira,
Olha pra mim!
(Mentira...)
Me fazia falta seu gosto, mas desde que amanheceu não consigo mais te querer.
Já era tarde da noite quando resolvi me perturbar forçosamente naquela casa de shows que jurei nunca entrar,
Entrei, e do mesmo jeito saí... Depressa e como olhar baixo.
Nunca pensei em me mudar daqui, deixar pra trás meus trapos e até alguns retratos que colei na parede vermelha, mas agora passa muito depressa pelo meu lado o asfalto quente da partida quase fervendo de tão escuro. Faixas amarelas se tornam contínuas e ao olhar para elas fico tonta.
Volto os olhos para as árvores, elas passam mais pausadamente e é exatamente assim que durmo.
Não é nem sequer vontade
Não fuja agora ou te aperto os braços!
Fica,
Deita pra mim!
(de costas)
Me lembrava aquela tarde, mas desde agora não cabe mais palavras...
Agora já fui,
Não suponha sequer que te amei, eu te usei como a um casaco, quente e incomodo.
Minha nova casa não terá teu cheiro, não enfrentará seu sorriso, nem eu.
Muitos homens ainda dirão que fui, ou sou uma cadela, uma errante que cai pelas ruas.
Hoje tenho pena de cada um deles, mas este balanço do ônibus impede que eu fique muito tempo pensando em apenas uma coisa... Penso em varais, jornais, penso no café da manhã que nunca te fiz.
Já te escrevi um conto, mas não te dei.
Foi assim, no ônibus, fugindo...
-Olá senhora, café?
-Sim
-Com ou sem leite?
-Sem
Estava doce.
Desci na rodoviária e ainda tive tempo de tomar algumas cervejas, estava acontecendo alguma coisa na cidade, muita gente por ali e a cerveja havia aumentado o preço! Absurdo!
Peguei um taxi e olhava a todo instante o contador, só tinha vinte reais em mãos. Desci uns 300 metros antes do prédio para não passar vexame e paguei com muita classe os 19,50.
-Fique com o troco
-Obrigada senhora
Andei com aquela mala enorme e sentei por uns minutos na praça, meus pés doíam um pouco e o salto ajudava a estender tudo para minhas costas. Tirei um pouco a bolsa preta de meu ombro e coloquei a mala o chão. Era azul marinho.
Pensei em dormir por ali mesmo, mas esta idéia se foi juntamente com o frio que aquela noite carregava. Não iria arriscar pegar um resfriado ou um susto. Sim, porque parece que agora estavam até proibindo as pessoas de dormirem naqueles banquinhos brancos...
Ora essa! Que porra estaríamos atrapalhando ou incomodando?
Bando de gente idiota e mesquinha, com certeza depois de reclamar iria para sua casa de merda dormir numa cama de merda e molas.
Subi os dois andares pelas escadas, o elevador não ia chegar tão cedo e eu estava com pressa! Achei incrível, pois o porteiro me reconheceu e nem precisou ligar avisando, queria fazer surpresa mesmo...
-Boa noite - falei entrando pela porta sempre aberta...
-Carla?
-Olá Amanda.!!!
-Sua porra! Por onde você andava?
-Não importa agora, tem alguma coisa para beber aí?- larguei a mala e a saudade na sala e fui para cozinha
-Mas você me some todos este tempo e não vai me dar nenhuma satisfação? Você ta bem?
-Ai querida, perdão...estou bem sim, só um pouco sem saco de conversar, queria ficar aqui um tempo...até eu me ajeitar sabe? Com certeza vou acabar te contando tudo, mas posso abrir esta vodka?
Ela fechou a cara e saiu da cozinha com passos fortes, deu para ouvir que agora ela assistia televisão, aqueles programas infantis idiotas. Eu bebi um pouco e lavei o rosto, na verdade bebi muito, fiquei até meio sem jeito de colocar a garrafa quase vazia na geladeira denovo e então coloquei um pouquinho de água, balancei e guardei... Não sei se depois ela percebeu muito.
Fui para sala e abri a mala devagar, olhava as paredes brancas, mas repletas de jornais, aqui e ali via uma foto em preto e branco que chamava atenção o restante na verdade nem sequer foi lido antes de colar... Coisas inúteis, mas ficou bonito.
Ela deitava agora no chão, em cima de seu seio esquerdo estava o controle da TV e percebi que ela cochilava em cima de uma mão. Parei por um instante meu olhar em seu rosto, estava branco... Um branco macio e saudável, o vermelho do batom fazia seus lábios parecerem maiores do que realmente eram, estava de camisola rosa e não fazia idéia de que eu a mirava, caso contrario fecharia a boca ou fingiria um sonho gostoso...
Fui para a cozinha, merda, agora não tinha mais nada para beber. Que merda eu fiz? Água na vodka? Comi um resto de pizza de queijo e vomitei umas duas vezes no chão... Não limpei.
-Porra Carla! Porra meu irmão! Acorda sua puta! Levanta esse caralho e vem ver o que você fez! Porra!
-Isso são modos de acordar alguém? -Gritei para ela de lá do sofá-
Acabei indo ver meus dois ou três vômitos e limpamos tudo junto com ela antes do café da manhã.
-Que você ta fazendo de bom?
-Ando fazendo uns trampos pra uma lojinha aqui perto, quadros, molduras...na verdade to trabalhando com colagem saca? – Ela fez uma pausa para tomar um gole generoso de café e seguiu com a boca cheia de pão ainda - Nada de interessante, depois te mostro uma luminária irada que não quis vender, posso te dar se você gostar!
Bebeu mais café e eu pela primeira vez sorri para ela,mas ela não viu, estava de cabeça baixa...
-Você ta muito misteriosa Carla! Desembucha vai... - Disse ela se levantando e pegando a manteiga na geladeira.
- Eu to fugindo Amanda.
-Puta merda velho, você ta tipo...tipo... Polícia atrás e tal...?
Eu ri com gosto e me levantei para ver melhor a cara de espanto dela, segurei seu queixo bem de leve e encarei um pouco, estava com vontade de beijá-la, mas dei um abraço, demorado e estranho...a olhei e...
-Posso morar com você este mês? Juro me comportar... Fui enganada lá em Recife, to fugindo um pouco de minha vida sabe?
-Você veio para cá por quê?
-...
-Fala. Por favor...
-Achei que você era a única pessoa que aceitaria esta proposta ridícula, depois de tudo que já fiz por aqui... sei lá...a única que..
-Que é uma idiota né?
-Amanda, não fale assim...
-Você me machucou demais.
-Por favor, deixe eu ficar!
-(...)
-Amanda... por favor Amanda, não chora!
-Vo...você um dia me amou?
-Pára de chorar vai...
-Responde!
-Claro que amei. Você sabe disso. Olhe para mim... Ei, olhe.
-Que é?
-Vamos esquecer isso... Deixa eu ficar e vai ficar tudo bem,eu juro!
(..)
Agora bate forte um sentimento louco, talvez reviravolta intensa que cala a musica em mim, troca isso por aquilo e me leva para um canto escuro, não é bem um quarto, é um mundo.
Foi difícil para mim começar tudo denovo mas não conseguiria fazer diferente, minha casa, roupa e vida nova teriam que ser o mais distante possível de você.
Te ensinaria por A mais B que as coisas não podem ser assim.
Te queria por três noites ainda, uma só não caberia meu desejo, minha vontade de você, te degustaria com champanhe, talvez crua, nua, de dar água na boca a qualquer rabo de saia, calça, bermuda... Te odeio e você sabe disso! Queria te estraçalhar bem devagar e com seus seios em minha boca te sugar para distante daquele quarto carregado de lembranças suas. Não minhas.
Queria que entendesse ou procurasse enfiar em sua cabeça que não me merece, que te pisaria mais cedo ou mais tarde, você é linda e não te quero mais...
-Bom dia amor,(...) você ta bem Carla?
-Bom dia Amanda... que horas são?
-Nove... Você tava com uma cara estranha...
-Tô bem... Relaxe.
Amanda e eu ainda tentamos ficar juntas, transamos todos os dias, passeamos, procuramos emprego, aprendi a fazer várias coisas com jornal e revistas, recebi café na cama várias vezes e entreguei flores amarelas, vermelhas, e azuis a ela...
Amanda e eu éramos então unha e carne, puro amor.
Terminamos algo que nunca começou quando a vi com seu amigo da Universidade (havia concluído há um ano) em nossa cama. Eles me viram e Amanda ainda tentou me explicar alguma coisa enquanto eu fazia a mala. Ele saiu sem camisa e nem olhou para trás.
Hoje te escrevo para dizer que te amo e sempre amarei
Amo sim...
Não rasgaria mais seu rosto de lágrimas falsas, pegaria outra condução e voltaria para dizer que te perdôo. que a vida é assim mesmo e que sinto saudade de seu cheiro e sua ausência de batons.
Mas me recolho a esta carta, me reprimo a estas linhas e confesso que vivi uma gota de ilusão, outra de realidade... Ainda me faltam mares e não poderia demorar mais aqui sentada. Eu também menti para você. Muito. E não consigo imaginar como você pôde ter acreditado... Tola!
Agora olhe para cá...
Olhe bem para meu corpo e lembre que ele esta ardendo de desejo por você, vou me vestir.
Não toque!
A vida ainda quer passar a mão em mim, sentir cada curva e dizer que sou toda dela, quer me ensinar por A mais B que as coisas podem acontecer de todas as maneiras, de todos os cheiros, de todas as cores e também sabores. E eu nem preciso deixar...
Com amor, Carla
856555874 me liga!