Cheguei na barra por volta das sete e ainda estava escuro, bebia uma espécie de suco com alto teor alcoólico e para falar a verdade, o céu devia estar claro, mas por conta da chuva fraca e persistente minha lembrança é de uma manhã negra...
Meu corpo, tão pesado, me obrigou a sentar um pouco e inventar nas raras pessoas que passavam histórias tristes de vidas amargamente sofridas, tentando encontrar semelhanças entre tantas caras inflamadas de lamentos. Pessoas frias por baixo de guarda chuvas medíocres que lhes tiravam a única coisa boa daquele momento... A chuva.
Foi exatamente vendo, ou inventando, pessoas tristes que meu suco foi acabando e dediquei então meu olhar vago a uma menina mais triste que todas as outras meninas dali. Ela era pequena e sentava-se parecido comigo (só). Acho que de onde eu estava ela cabia na palma da minha mão, assim, fechando um olho...
Eu deliciosamente fui inventando uma história para ela, uma que doía meu peito.
Não era possível, com o olhar de hoje em dia (claro) que a menina me avistasse, que ela me percebesse...era longe e eu não merecia muita atenção com aquela roupa comum, num dia comum e bêbada. Mas a menina da chuva caminhou passos contados, leves e molhados até que me encontrou.
E ela nem era tão pequena.
-Posso sentar aqui?
-Como?
-Posso sentar com você?
-Sim, mas...
Ela nem aguardava minha resposta, pois logo se sentou, cruzou as belas pernas e por mais que eu tente, não recordo de nada interessante naquela conversa de olhares e sorrisos, mas assim que ela se levantou e ameaçou sumir pela escadaria do farol, me deu muita vontade de perguntar seu nome ou seu perfume, mas a chamei alto para simplesmente e irresponsavelmente dizer:
-TE AMO.
Ela sorriu mais uma vez e concordou (?) com um movimento rápido e único da cabeça que me lembrou Amelie Poulain, ou algo bem singelo e intenso. E por muito tempo não pensei nela... Acho que a ressaca foi suficiente para levar aquela lembrança que pareceu ter sido uma loucura da minha cabeça que rodava muito.
A menina da chuva que eu amei voltou a minha cabeça naquele dia que passei de carro pelo mesmo farol... Estava apressada, mas os sinais (que parecem adivinhar) insistiram em fechar justamente para mim num ritmo constante. Em um sinal que parei me lembrei da menina, mulher e também irresponsavelmente dei uma volta para estacionar o carro, desci.
Eu estava cinza, totalmente comprometida no trabalho e cheirava a cigarro pois o vidro do carro andava quebrado, não abria mais, e eu fumei lá dentro uns dois... fui em direção ao farol, estava desta vez um dia bonito, e inventaria histórias bem safadas para cada pessoa ali, não perderia meu tempo pensando tristezas. Aquele rapaz inclusive, deve estar fazendo sua caminhada diária, que começou há exatamente quatro dias pois sua namorada, uma loira de cair o queixo não gosta muito de seus poucos acúmulos de gordura. Ele deve voltar depois daqui para casa dela, onde passaram a noite fazendo sexos com diversas posições novas... ela deve ter ensinado para ele.
O cabelo molhado do rapaz me lembrou a hora e logo que ele passou direto por mim parei de inventar sua história, tava meio chata. Debrucei-me então lá de cima do farol para avistar a menina... Inútil. As pessoas lá de cima pareciam formigas e eu poderia então acabar com todas elas.
Desci.
Do lado de fora, dei de cara com uma menina de vestido branco que me sorriu e reconheci imediatamente pois fez o mesmo gesto único e intenso com a cabeça...
-Oi, -Falei boba e também sorridente na inutilidade de falar palavras.
-Oi
-É...vamos...sei lá, conversar um pouco? Não lembro muito do que ficamos falando da última vez que te vi.
Ela maravilhosamente abriu um novo sorriso e percebi que ela era realmente nova, rosto delicado, 18 anos no máximo.
-Tá de carro?
-Tô, respondi no automático.
-Tem um lugar lindo que a gente podia ir...
Fomos em silêncio para o carro, era só atravessar a rua.
-Você estava muito bêbada naquele dia...
-Sim, sim, uma bêbada! -Respondi ligando o carro e saindo de uma vez com uma pontada forte de orgulho por estar com aquela menina ao meu lado.
-Trabalho no museu do farol, naquele dia não abriria, mas como moro perto, vim para passear um pouco.
- Na chuva?
-Eu gosto...
-Não é nada mal, mas geralmente quando me atrevo a fazer isso ganho pelo menos uns três dias de tosse. –Sorri, já não estava tensa como antes.
Ela passou a mão no meu cabelo, que agora estava preso e arrumado.
-Vire aqui - disse ela rapidamente – e siga direto, só dobre a esquerda no semáforo e já chegamos.
Quando estacionei não destravei as portas,
-Seu nome, por favor...
- Laura.
Falei o meu para ela e descemos para o lugar bonito que podíamos ir, segundo ela. Era um bar.
-Já conhece este lugar?
-Não –respondi- mas já ta funcionando uma hora destas?
-São dez horas!
-Puta que pariu, meu trabalho – soltei.
-Estou te atrapalhando, desculpa.
-Não, não...eu que quis parar e te procurar pelo farol.
Ela ficou meio sem jeito, deu para perceber e odeio situações deste tipo... Você às vezes não sabe se está diante de uma bela amizade ou de um caso, um amor. Mas a gente entrou.
Nem precisamos de muito vinho para quebrar a nossa timidez e nos beijamos demoradamente, com cuidado e foi como se fosse nossas línguas estivessem também se conhecendo, se encantando uma pela outra e se amando. A menina porém se afastou de mim e com os olhos cheios de lágrimas me encarou por um instante, depois saiu com minha chave, que estava em cima da mesa e levou meu carro embora.
Sim, e eu não consegui fazer nada.
Nada... Na verdade demorei muito a entender aquilo. Estava sozinha, sem carro e sem explicações. Voltei ao farol e ao bar algumas vezes naquela semana, de ônibus, mas não a vi. Pudera... a esta altura certamente achava que eu havia denunciado á polícia. Tão logo seu nome não era Laura, para que me daria seu nome se o que queria era meu carro? Mais uma tarde foi passando e a título de curiosidade fui despedida do emprego. (CONTINUA...)
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