quarta-feira, 15 de abril de 2020

meu bigodudo

Demorei.
Até achei que não ia mais falar nada sobre ele...
E claro, sobre a partida dele, mas meu coração tá apertadinho.
Sinto que preciso liberar este troço entalado no meu peito e vem escorrendo pelos braços até chegar na mão,
na caneta,
no papel.

Não sei se Belchior ia querer muita rasgação de seda sabe?
Pior que não sei o que ele iria querer ou não querer. Não o conheço.

Já o vi... fato, e isso é uma das coisas que mais sinto alegria de ter vivido: Um show dele é de encantar a alma,
mas não conheço ele pra dizer muita coisa.
Conheço no entanto sua obra e não sei explicar muito bem, mas alimento um carinho descomunal por ele.
Quem me conhece bem, sabe direitinho do que tô falando.
Sou de fechar os olhos apertados e parar tudo o que estou fazendo se escutar do nada uma música dele,
aquelas introduções instrumentais que acabam comigo.
As músicas dele, com letras e melodias, me deixam boquiaberta, apaixonada, encantada pela mente deste homem,
que partiu há alguns dias.
Diria que há alguns anos ele deixou a gente, mas desta vez eu sei... ele não vai voltar.
Antes eu ainda tinha um fio de esperança de sei lá... Cruzar com ele pela América Latina rs. Pelo mundo.
Eu sou muito, mas muito fã deste cara, e agradeço demais meu pai por ter me apresentado a ele, ainda tão cedo.
Lembro ainda criança que ele vivia escutando Belchior e ás vezes me dizia:
- Filha, você precisa escutar sua Xará interpretando esta música!
Prestava muita atenção nas letras pra tentar entender o amor de meu pai por aquelas músicas "de velho" como eu dizia.
No caminho para a escola era rotina. Bastava o semáforo fechar que meu pai dizia:
- E o sinal Elis? E o sinal?
Ele não sossegava até eu responder: - Está fechado para nós pai!
Aí ele completava cantando: " QUE SOMOS JOOOOOOOOOVENS"
Já adolescente esta época achava um saco quando estava sem paciência.
Mas ele fazia a situação ficar engraçada e eu acabava que sempre respondia rindo.
Ele continuava cantando a música ou não, dependia do dia. Mas até hoje, vejo o semáforo vermelho e lembro dele.
Acabo fazendo a mesma brincadeira uma vez ou outra.
A música "como os nosso pais" me lembra muito meu pai.
Em minha fase universitária tive muitas dúvidas sobe o sistema, o mundo, as desigualdades, corri muitas vezes para meu pai para buscar respostas que não existiam de uma forma leve, elas são duras mesmo! Mas ele não me dava elas, ele me contava suas histórias, seus sonhos, decepções, aventuras, que iam me ajudando a refletir sobre as minhas e a me posicionar, buscando eu mesma encontrar significado nas coisas.
As músicas de Belchior sempre, sempre me acompanham, desde pequena e quando finalmente, fui explorar sua obra, me debruçar e esbaldar sobre ela, já adulta, na faculdade, foi quando eu de fato entendi meu pai cantarolando em casa, fechando os os olhos em alguns trechos, pedindo "Preste atenção agora Elis" ou "Agora, agora" rs.
Belchior é um ser a ser estudado, criticado, discutido...
Eu aprendi apenas a sentir ele.
Não adentrei na história de vida, sei no entanto de muitos defeitos enquanto homem, e principalmente enquanto pai.
Não adentrei nos estudos de sua obra, sei no entanto cantar inúmeras músicas e lembrar o álbum de muitas delas rs.
Mas olhe... Não me rebaixo pra seu ninguém sobre sentir o que ele canta e como ele canta!
Não foram poucas as vezes, e sei que vai ser assim pra sempre, que procurei aqueeeeeeela música dele pra tocar enquanto eu refletia sobre as coisas mais inusitadas e importantes de minha vida.
A letra dele não em responde nada, mas me faz sentir viva, sentir forte e fraca ao mesmo tempo, sentir humildade e coragem, coragem de seguir o desconhecido, as alucinações do nosso dia a dia.
A vida é um desconhecido e a gente tem pressa de viver, a gente se joga nos caminhos e caminhadas e aprende horas com um colo, horas quebrando a cara, a gente precisa aprender a ser só, para saber conviver.
A vida realmente é diferente, é muito pior do que o que ele cantava, e olhe que ele cantava coisas tão tristes, outras tão lindas, ele falava de paixões, nas suas mais variadas formas, humanas, carnais, de vida,de alma... de estradas.
O canto torto dele corta tudo, certezas e carnes, ele não se preocupou muito em agradar ninguém, afinal, como dizia, sons e palavras são navalhas né? E sim... tinha um recado a dar, diria que alguns... E deu.
Não seguiria ele, realmente nãos ei nem se ele sabia para onde estava indo, mas poucos tem coragem de ir.
A vida é desconhecido, a gente se acomoda com o que é correto e o que as normas mandam, e somos felizes com o que temos, ou não.
Então não julgo, nem defendo. Aliás, ele não precisa de defesa de ninguém, nem ser crucificado, ainda mais agora depois de morto.
Mas não conseguiria ficar calada diante da morte do meu bigodudo, a quem tenho este carinho infindável.
Porque as músicas dele mexem tanto com algumas pessoas?
O que ele queria dizer com "a felicidade é uma arma quente"
Meu pai mandou estas perguntas pra mim quando soube da morte dele, eu liguei e ficamos falando muito sobre ele, sobre a morte, sobre a fuga, sobre como ele realmente 'preferiu andar sozinho e decidir a vida dele'.
"A palavra e o som são meus caminhos para ser livre" ele deixou claro... e não cantou como se convêm, sem querer ferir ninguém.




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