quarta-feira, 15 de abril de 2020

há alguns carnavais...

De repente, com seu sorriso e confetes de carnaval, ela chegou em minha vida, alegre como aquela noite que gritava mais que tamborim afinado. Não deu tempo de pensar muito sobre o assunto que falava, nem de reparar na roupa que ela usava, no penteado que levava, na voz que entoava.

Ela chegou em mim e meu olhar tomou rumo desde então. O amor tem destas coisas de chegar assim, de vez, arrastando tudo que vem pelo caminho pra dar passagem e ele poder desfilar com o destaque que merece.

Chovia forte quando cheguei em casa naquela sexta feira ate então mais comum que meu sapato preto, ou que aquele café expresso que se toma em qualquer padaria. A chuva pesada me atrapalhou um pouco na estrada, mas cheguei a tempo do jantar e ela me esperava na janela. Achei estranho, pois em todos estes anos juntas era eu quem fazia isso depois do banho. Sua pontualidade para as atividades e compromissos me fez criar uma certa rotina e esperá-la na janela ás 18h já era algo mais comum que aquela sexta feira comum.

Cheguei em casa e as crianças viam um filme, enquanto Lia, a secretária colocava o jantar na mesa, forrada com uma linda toalha vermelha que eu nunca havia reparado, talvez fosse nova mesmo. A Joana tem paixão por toalhas de mesa, de banho e lençóis para cama.

Fui até o quarto e lá estava ela, ainda na janela, olhos firmes na chuva que caía sem dó, fazendo um barulho oco nos metais largados na rua, restos da construção da casa ao lado. Preferi acompanhá-la a olhar a chuva ao invés de tecer qualquer tipo de comentário, ou mesmo entoar minha voz diante daquele silêncio que ela teimava em estabelecer com a noite e comigo.

O frio entrava e começou a trazer com ele uma tristeza dentro de mim... Joana finalmente me encarou e deixou cair uma lágrima, que desencadeou então várias em meu rosto. Eu chorava descontroladamente quando ela me abraçou mais forte que o frio e fomos para sala jantar.

- Mãe, vocês duas estavam chorando?
- Foi meu amor, mas tá tudo bem, você quer suco ou leite?
- Leite... Mas vocês duas não estão legais, eu sei disso. Estão com cara de mosca morta, não é Bia?

Ainda conversamos antes de dormir, eu sabia que aquilo tudo ia passar e ficaríamos bem novamente, mas cada crise nossa doía demais. Preferi então levantar da cama e procurar uma foto nossa, já passava de meia noite e ela pediu para desligar a luz, mas não ia dormir antes de encontrar a nossa primeira foto, tinha certeza que havia guardado na caixinha... achei.
Corri pra cama de volta e mostrei a ela nós duas em Salvador, numa foto azul inesquecível que tiramos no espelho entre o sonho que estávamos vivendo acordadas naquele carnaval. Ela me olhou com aquele mesmo sorriso, um pouco mais cansado... Mas era o mesmo sorriso! Era ele!

- Amor, não somos mais as mesmas...

Tentei mostrar que sim, mas de fato não sabia mais até onde permanecíamos iguais e até que ponto mudamos nestes dez anos de relacionamento. Mas não era justo me perder dela assim, neste correr dos anos e das rotinas, destas porcarias de rotinas... Não era justo sentir o coração dela batendo distante do meu neste frio, sendo que sei do calor que tenho aqui dentro, sei do calor que ela tem lá dentro dela... Este calor que nos aqueceu todo este tempo. Sei que ele existe.

Olhei pra foto em minha mão e relembrei a loucura que topamos viver ao nos conhecermos. Olhei para ela ao meu lado na cama e pensei que estávamos vivendo um novo mistério e passos precisavam ser dados também naquele momento. Não podia correr o risco de me perder dela nesta estranha estrada da nossa vida... Me aninhei em seus braços e baguncei os cabelos dela com meus cafunés mais sinceros, sentindo e entendendo que nosso amor não mudou, apenas nós mesmas. E o trabalho, os desgastes cotidianos, as responsabilidades assumidas com nossas filhas, casa, terreiro... Tudo isso ia mudando nestes anos e eu não ia permitir perder nosso amor no meio dos atropelos que a vida quase nos força a dar.

Dormimos com a nossa primeira foto e acordamos abraçadas, vendo nossas filhas adentrarem em nosso quarto com uma bandeja cheia de frutas e alguns pães do dia anterior, a Lia ajudou elas a prepararem nosso café da manhã e tivemos uma grande surpresa quando a nossa caçula recitou um poema feito pela irmã, que falava algo de amor, de família, de união. A Ana escrevia muito bem e a Bia estava aprendendo a ler, mas não imaginava que assim, tão rápido.
O tempo... O tempo tem destas coisas, assim como o amor, de chegar, de passar, de mudar as coisas de lugar.
Hoje andei mexendo novamente nas fotos e achei uma deste dia, do café da manhã...

Nenhum comentário:

Postar um comentário