quarta-feira, 15 de abril de 2020

pé na estrada

Negar implicava em tanta coisa, que ele acostumou em aceitar o fluxo, e compenetrado naquela fissura gritante do seu eu, naquela insistência prepotente que ele por vezes carregava em cada poro de seu corpo e no hálito cotidianamente doce, ele percorria o corpo e o juízo dela, bagunçando quartos e pensamentos, tão equivocados quanto ele.

Não negava por preguiça,
não ousava por pudor,
caminhava rente ao conhecido,
provável,
suportável,
pois a ameaça da sorte e do azar chegava a doer nos ossos, feito frio de um nu na neve.

Sua mente infértil e o limite estabelecido em cada palavra provocada por seu cérebro doentio e cuspidas pela boca gelada, faziam movimentos na mente e no peito dela, torturavam cada sonho que ela ousava ter e provocavam arrepios de pavor, perdão, eu quis falar amor...


O dia amanhecia naquele quarto de pousada barata a beira da estrada, os raios do sol invadiam sem piedade a janela, as paredes e os rostos colados, um no outro. Em meio a confusão do trânsito lá fora, se ouviam vozes altas, se ouvia o dia começar de forma intensa e totalmente inevitável, incontestável.

Amanhecer é incontestável, é fato consumado e nada impede que qualquer poeta negue, vai ver por isso a implicância dele com os poetas, com os cronistas... esta loucura de criar mentiras vindas de devaneios belos, mas sem bases sólidas irritava ele, provocava total desconforto.

Ela tinha muitos livros escondidos e escrevia sempre que podia, recitando baixinho no chuveiro fugia dos dias implacáveis e incontestáveis, mergulhando na verdade pessoal do caso menos reto possível.

Demoraram ainda algo em torno de vinte minutos para finalmente levantarem, o barulho impedia qualquer retorno ao sono perdido e a estrada era longa.

Banho,
poemas,
sabonete e pensamentos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário